quinta-feira, 12 de agosto de 2010

ENTREVISTA SARAIVA CONTEÚDO



Renato Godá: Canções Para Embalar Marujos

Por Bruno Duarte e Marcio Debellian


Quem acessa o site oficial do cantor e compositor Renato Godá encontra a seguinte autodefinição: o músico é "um escritor de músicas endiabradamente românticas". Entenda-se endiabrado pela imagem de um dândi cafajeste circulando por um cabaré esfumaçado da velha Paris, onde se toca jazz, folk e música cigana, e romântica pelos tragos largos do copo de uísque e pelas baforadas de fumaça do cigarro que o sujeito lança se desmanchando de amores pela dançarina que se apresenta todas às quintas no local. Canções para embalar marujos, novo trabalho de Godá, não fala de piratas, mas de marinheiros de copos e amores líquidos.

Iniciado na carreira musical quase que por acaso, o cantor estreou nos palcos como ator, Renato Godá despontou no cenário musical após o lançar em 2009 o EP que levava seu nome no título. Muito bem recebido pela crítica, o trabalho lhe rendeu apresentações na Argentina, na Inglaterra e na França, onde firmou parcerias e buscou influências para o seu segundo CD.

Cercado por um time de feras da música, entre eles o músico Plínio Profeta - que recebeu Grammy Latino pela produção do disco Falange Canibal (2002) do Lenine, trabalha com nomes consagrados e novas artistas da música nacional e faz trilhas sonoras para o cinema, como a do premiado filme de estréia do ator Selton Mello, Feliz Natal - e o produtor Roy Cicala, nome de peso do cenário internacional que já trabalhou com John Lennon, Jimi Hendrix e Frank Sinatra.

Comparado ao músico e escritor canadense Leonard Cohen, com referências musicais do francês Serge Gainsbourg e da música cigana do leste europeu, Renato Godá embala com o charme e a graça do teatro burlesco toda elegância e a vulgaridade naïf de marujos insones das esquinas paulistas.

Confira a entrevista exclusiva com o cantor ao SaraivaConteúdo onde ele fala dos caminhos que o levaram a fazer música e de como a experiência de ser pai aos 23 anos lhe salvou a vida.

Conta pra gente como foi a trajetória até esses dois discos?

Renato Godá: Na verdade, quando eu comecei, minha primeira intenção não era ser músico ou compositor. A minha vontade era fazer teatro. Eu fiz um curso de teatro que foi de certa forma meio frustrante porque, no auge da minha primeira peça, da minha estreia, eu me sentindo um Al Pacino e tal, quando acabou essa parte de atuação eu fui pro camarim louco pra comemorar e eu tocava uma música na peça. O diretor desse grupo era um cara mais velho de teatro e tinha aquele ranço meio amargo. Ele saiu e falou “Oh, Godá. Deixa eu te explicar uma coisa, eu já vi muito ator se dar bem nessa vida e muito ator passar fome. Você é do tipo que vai passar fome”. Eu fiquei arrasado, mas como eu tinha tocado essa música, um amigo meu que era músico estava assistindo a peça e me chamou pra fazer uma participação no show que ele estava fazendo num bar aqui de São Paulo. Depois dessa apresentação o dono do bar me convidou, eu tava precisando de dinheiro, aí as coisas foram acontecendo naturalmente. Eu acho que mais do que ter ido atrás da música, a música cruzou o meu caminho. Eu acho que aquele diretor, apesar da minha raiva naquele momento, foi um cara muito visionário, porque de fato hoje eu sou muito feliz fazendo isso. A coisa que eu mais gosto de fazer é música.

Mas você também carrega uma boa dose de teatralidade nos seus shows.

Renato Godá: Eu diria que eu tenho uma pretensão teatral nos shows também. Eu gosto do cuidado cênico. Eu acho que o show é pra valer. Apesar de ter essa cultura na música do circo se montar e se desmontar assim muito rapidamente. Num dia você está numa cidade, no outro você está em outra. Eu gosto dessa coisa teatral no show – da luz bacana, do figurino, do mise en scène, da interpretação. O teatro tá presente ali de qualquer forma.

Mas e dessa temporada no bar, que foi por acaso, até chegar ao EP, como é que foi essa trajetória?

Renato Godá: Como compositor eu sempre gostei de experimentar vários gêneros. Eu tive a sorte de poder trabalhar muito calmamente, tinha uma despretensão com a vida, assim “deixa a vida me levar”, ia me virando e tal, então eu podia brincar de fazer essas coisas - brincar no melhor sentido - e experimentei várias possibilidades que estavam ali na minha música. Tive banda de punk rock, o Paulinho Moska me apresentou uma banda de Trip Hop que quando eu vi aquilo eu falei “pera aí, a música eletrônica pode ter uma textura experimental” e foi um fracasso absoluto. Foi um disco que eu tentei fazer, mas foi o maior mico. Mas de qualquer maneira foi uma tentativa. Fiz letra de samba para um amigo meu, tentei buscar aquelas referências de samba antigo e tal. Todos esses elementos foram se transformando naturalmente em uma linguagem, na música que eu toco hoje. E essa música que eu faço hoje de fato tem a minha cara.

Apesar de ter gravado outras coisas anteriormente que foram lançadas pela internet, outra numa edição super pequena, eu considero o EP, o trabalho anterior a esse, o meu primeiro trabalho. Eu acho que aí foi onde se chegou numa sonoridade e numa, como eu posso dizer, numa identidade de letras que de fato falava a minha língua, o meu universo era de fato aquele.

E quando você fala nesse EP, desse universo, dessa atmosfera, é essa coisa mais leste europeu, cabaré, essa mistura...

Renato Godá:
Eu vivi muitos anos da minha vida, na verdade eu tenho que contar uma história anterior a isso, eu fui um aluno disléxico e com déficit de atenção, ou seja, eu era aquele aluno “o fracasso da escola”, e isso numa época em que não se discutia tanto essa questão da dislexia, as escolas não tinham essa atenção, para eles eu simplesmente era um aluno que não estava interessado e tive a sorte de ter estudado com uma professora de português que devia ter uma sensibilidade além da conta dos outros professores. Ela começou a sacar que eu tinha certa facilidade com as redações e, a partir das redações, ela achou um link direto comigo. Então ela fazia uma coisa que era super bacana, que foi super importante pra mim. Ela corrigia a gramática, mas avaliava as minhas redações pela qualidade do texto. Ela fazia verdadeiras críticas às redações. Eu me sentia o pior aluno e passei a me sentir o aluno mais especial. E ela passou a me apresentar literatura, não a literatura formal, clássica, que a escola sugeria, além dessa ela começou a me apresentar coisas, eu tinha 13 anos, e ela começou a me dar os beatneaks pra ler. Aos 14 eu já estava lendo Bukowski. Aquele universo todo era muito atraente pra mim. Eu dediquei a adolescência a viver aquilo, pelo menos romanticamente como todo adolescente eu queria de fato essa boemia, eu queria de fato experimentar todas as coisas que estivessem ao meu alcance e fiz isso durante muitos anos. Viver essa vida que eu costumo dizer que era o beijo da boca do lixo na boca do luxo. Porque ao mesmo tempo em que eu convivia com pessoas num jantar super da intelectualidade e tal, eu acabava a noite num boteco do centro de São Paulo e do meu lado tinha um travesti, uma puta, o traficante, o trabalhador, e essa conjunção acabou me dando um pano pra manga principalmente pra escrita, principalmente pra letra, que eu acho que é o carro chefe do meu trabalho.

E você teve filho cedo também, não é?

Renato Godá
: Tive. Eu tive um filho aos 23 anos. Foi uma experiência que eu poderia dizer que salvou minha vida, porque como eu comecei muito cedo, aos 23 eu já estava num momento meio que ladeira abaixo, e veio o Gabriel. Foi um processo muito bacana onde eu fiz uma desintoxicação e eu vou dizer assim, era uma coisa mais egoísta da minha parte do que propriamente agora eu ter um filho e ter uma responsabilidade. Egoísta no sentido de que eu queria ver o dente dele cair, queria ver o cara aprender a ler. Eu queria estar vivo pra ver essa coisas. Acho que se eu tivesse continuado com o pé no acelerador como eu tava, eu tinha uma grande chance de perder isso tudo.

A mãe do meu filho foi embora quando ele tinha um ano, eu fui pai solteiro e na época isso era pouco comum. Hoje meu filho tem 16 anos, então a gente viveu intensamente uma relação que foi super bacana porque eu sempre disse pra ele que eu não queria que ele tivesse um amor por mim pelo fato de eu ser o pai dele, e sim pela nossa afinidade. A gente tem uma relação que é praticamente de amigo, a gente bate uma bola conversando que é incrível, ele é super maduro.

E agora eu tenho outro filho, de quatro meses, quer dizer, cinco já. Então é uma diversão pra mim hoje, porque hoje a minha vida é super caseira. Por mais que eu tenha ainda uma doce lembrança desse período underground que eu tenha assim da vida, a verdade é que o meu grande prazer hoje é estar em casa. Eu gosto de receber os meus amigos em casa. Eu continuo bebendo uísque pra cacete, fumo pra caraca, não uso droga nenhuma, quer dizer, cigarro e álcool, né? Dos vícios publicáveis acho que esses dois aí estão de bom tamanho. Ah, e cafeína também. Mas eu gosto de fazer isso dentro da minha casa, com os meus amigos, com os meus filhos. É muito legal você ter um filho de 16, uma filha emprestada de 17 e filho de 5 meses. Casinha, hora do jantar, banho do pequeno... Eu tô adorando essa vida, daqui a pouco eu viro o João Gilberto.

E essa organização reflete no seu trabalho?

Renato Godá: Na verdade me obrigou a ter uma concentração maior ou pelo menos ter uma disciplina cada vez maior. Tudo bem que eu não sou tão disciplinado assim, mas, por exemplo, eu aprendi a escrever de manhã, a compor de manhã, era o horário mais tranqüilo. O horário que eu tinha livre. O telefone não ia tocar, os filhos estavam na escola, então eu tinha aquele período pra me dedicar a isso, a ler, a escrever. Então era um momento mais silencioso. E eu acho que isso mudou o enfoque, eu comecei a ter uma facilidade maior de me concentrar no texto do que propriamente quando já eram quatro da manhã, depois de seis doses de uísque, quando você acha todas as suas ideias geniais, mas no dia seguinte quando eu ia ler eu falava “pô não é isso”. Então eu acho que essa estrutura familiar interferiu, no bom sentido, na criação sim.

domingo, 1 de agosto de 2010

ZERO HORA - PORTO ALEGRE


O cabaré de Renato Godá

Nos idos de 1990, Renato Godá tinha certeza de que seria ator. Em sua estreia, num teatro de São Paulo, desceu do palco ao final da apresentação certo de que merecia um Oscar. Ganhou um balde de água fria do diretor, que disse que ali ele morreria de fome. Sorte das artes cênicas, que perderam um péssimo ator. Sorte da música, que ganhou um excelente artista - o qual Porto Alegre pode conferir neste domingo (1º/8), no Santander Cultural.

Ele estreia na Capital lançando seu primeiro disco completo, Canções para Embalar Marujos, compêndio de 13 faixas que impregnam nos ouvidos tão forte quanto a fumaça dos cigarros, o cheiro da bebida e a poesia de rua que compõem seu universo lírico. Uma alternativa saudável e bem-vinda à caretice e ao bom-mocismo que dominam a MPB de fácil apelo comercial.

Canções… costura guitarras com acordeon, banjo com teclado hammond, riffs de rock pesado com levada do cancioneiro popular do leste europeu, chanson com saloon. Tudo gravado ao vivo em dois dias. Ora cantando, ora declamando, entre Tom Waits, Leonard Cohen e Serge Gainsbourg, Godá vai introduzindo seu cabaré particular - mesmo ambiente por onde circulam Tiê e Thiago Pethit, outros dois representantes de uma discreta revolução que toma corpo na música brasileira nesta década.

Não que Godá se considere um luminar ou algo do tipo. Ele só não consegue se enquadrar. E nem por culpa totalmente dele. Aluno disléxico e com déficit de atenção na escola primária, recebeu da professora muito mais do que aulas particulares:

- Ela me apresentou Bukowski, por exemplo. Imagina, eu tinha 11 anos, olha o que virou…

A influência do velho Buko está por todo lugar, do no olhar cansado e conformado (”Não tenho pose, não tenho pressa, não tenho tempo para sofrimentos, não tenho queixa nem endereço, sapatos novos ou pretensão de ser feliz a todo momento”, resume em C’est La Vie) à ode à boemia desbragada (”Eu já bebi em mesas sóbrias, conversei com reis, já conheci bares sujos, tantas bocas que beijei”, canta em Canção de Um Velho Marujo).

- Gosto dessa coisa de vagabundagem artística, de não se levar tão a sério, da espontaneidade - define-se Godá, com a tranquilidade que apenas os autodidatas talhados nas madrugadas dos vaudevilles de fama duvidosa possuem.







sexta-feira, 23 de julho de 2010

sexta-feira, 16 de julho de 2010