Cabaré Chic
O veterano Renato Godá e o estreante Thiago Pethit lançam, nesta semana, álbuns com clima teatral e inspiração underground
MARCUS PRETO DA REPORTAGEM LOCAL
Um cabaré na Berlim pré-nazista ou um bordel de cidade portuária, nublado por cigarros e poeira. Um botequim sujo onde um bêbado rabisca versos em guardanapos ou um circo decadente na Paris do início do século passado. A música e o imaginário de Leonard Cohen, Serge Gainsbourg, Bertolt Brecht, Kurt Weill, Tom Waits. Foi a partir dessas referências, todas elas tão incomuns na cartilha de códigos estéticos da música brasileira, que dois cantores e compositores paulistanos criaram os álbuns que lançam nos próximos dias. Renato Godá, 39, é o pai de "Canções para Embalar Marujos", produzido por Plinio Profeta. Nele, mergulha mais fundo no universo de "submundo romântico" esboçado nos dois trabalhos anteriores -sobretudo no EP de 2006. "Não falo de amor de novela", diz. "É o amor retratado por um olhar masculino. Tem sacanagem, malícia, putaria. Esse clima de marinheiro e cais de porto que me atrai desde moleque." Thiago Pethit, 27, fez "Berlim, Texas", primeiro álbum, com produção de Yury Kalil (do Cidadão Instigado). Ex-ator, lançou há dois anos um EP que, hoje, considera a "transição do teatro para a música". O nome do novo disco, diz, engloba os dois universos que seu trabalho quer abraçar. "É como se Berlim fosse uma cidade dentro do Estado do Texas", resume. "Como se Kurt Weill tocasse com Tom Waits num vaudeville, num cabaré ou num "saloon bar"." A maneira como os discos foram gravados cuidou para que essa linguagem fosse mantida -realçada, até. Godá fez questão de registrar as 13 faixas em dois dias de estúdio, tentando fazer valer, sempre que possível, o primeiro "take". Pethit instalou microfone no pedal e no teclado do piano para captar todas as "falhas", que foram incorporadas ao produto final. Em ambos os casos, nenhuma possível derrapada foi retocada. O repertório dos álbuns foi quase exclusivamente composto pelos autores. A exceção fica para "Nasci Para Chorar", versão que Erasmo Carlos fez para "Born to Cry" (Dion DiMucci), gravada por Roberto no LP "É Proibido Fumar" (1964) e regravada agora por Godá. É o marujo atracando em mares brasileiros? "Não", responde o intérprete. "É mais Gainsbourg do que jovem guarda." Pethit convidou Hélio Flanders, do Vanguart, para dividir com ele letra e vocais em "Forasteiro". O grupo de Flanders está entre os principais da nova onda folk nacional. "Ele e a Mallu [Magalhães] trouxeram para o Brasil algo muito contemporâneo e que não é só da nossa raiz musical." Composições assim tão ricas em imagens criam, inevitavelmente, a sensação de espetáculo cênico. E de personagens de ficção. Godá rejeita a etiqueta de "cantor teatral" que, por todos esses motivos, se colou sobre ele. "Muita gente achava que meu trabalho era teatral por eu ter sido casado com atrizes [foi marido de Bete Coelho], por ter amigos atores. Tenho amigos que trabalham em banco, também", diz. "Sou o maior canastrão e nem vou ao teatro." Pethit, que em cada música do EP "de transição" vivia um personagem diferente, diz ter finalmente encontrado sua voz. E é ela, e não os personagens, quem canta as músicas confessionais de "Berlim, Texas". "Usei o conceito de cabaré para incluir o que há de teatral na minha música", define. "É uma coisa do tipo "isso tudo em volta é cenário, mas o que eu estou dizendo é de verdade". Só assim consegui, enfim, me expor."
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